NEGRIARA
É recorrente a abordagem de que o arcabouço legal a partir de 2003 tem tensionado o currículo hegemônico e as relações étnico-raciais nas instituições educacionais, fortemente marcadas pelo racismo, preconceito racial e discriminação racial.
Esse processo atinge os currículos que, cada vez mais são inquiridos a mudar. Os
dilemas para os formuladores de políticas, gestores, cursos de formação de professores e
para as escolas no que se refere ao currículo são outros: adequar-se as avaliações
standartizadas nacionais e internacionais ou construir propostas criativas que dialoguem,
de fato, com a realidade sociocultural brasileira, articulando conhecimento científico e os
outros conhecimentos produzidos pelos sujeitos sociais em suas realidades sociais,
culturais, históricas e políticas (GOMES, 2012).
As representações estereotipadas e generalizadas acerca das juventudes também se fazem
presentes no espaço escolar, impactando as relações entre os diferentes sujeitos que convivem dentro dessa instituição. Caracterizar os estudantes apenas pela “falta de respeito” com os
professores, pelas relações agressivas entre os próprios jovens, pela agressão verbal e física, pela
“irresponsabilidade” diante dos compromissos escolares e na “dispersão” devido ao uso de celular
ou outros aparelhos eletrônicos pode invisibilizar as qualidades e potencialidades das diferentes
juventudes que habitam as escolas mineiras. No outro extremo dessa discussão está a descrição
que os jovens fazem da escola: lugar enfadonho e distante dos seus interesses e necessidades.
Destacam-se ainda as queixas constantes que avaliam os conteúdos ministrados em sala de aula
como não atraentes e que acrescentam pouco à sua formação. Quadro esse que apresenta o espaço
escolar como uma obrigação necessária, tendo em vista a necessidade do diploma (BRASIL,
2015, p.6).
Consequentemente, tais posicionamentos podem gerar um cenário de responsabilização por parte
de especialistas e do governo ao grupo de professores e direção escolar, que passam a ser
entendidos como responsáveis pela origem da crise no Ensino Médio no país. Discussões essas
que, assim como as representações estereotipadas sobre as juventudes, contribuem mais para a
constituição de um cenário de mútua culpabilização dos atores envolvidos no processo de
educação (professores, jovens estudantes, direção escolar, familiares, governos, entre outros) do
que para um efetivo direcionamento que vise a soluções dos problemas enfrentados pelo Ensino
Médio como ressaltam Dayrell e Jesus
Mas é importante matizar a ênfase dada pelos jovens às críticas aos
professores, entendendo-as no contexto mais amplo do sistema de ensino
público no Brasil e especificamente do ensino médio.
Não podemos nos
esquecer de que o professor, na sua relação com o aluno, expressa de alguma
forma a instituição e o próprio sistema de ensino, com todas as suas
contradições. Ou seja, boa parte das críticas, ao se referir aos professores,
também se estende, de fato, à estrutura escolar, com seus tempos e espaços
rígidos e ao currículo existente no contexto de uma cultura escolar que dificulta
as transformações necessárias. (2016, p. 418).
O estudo realizado por esses autores evidencia que, assim como os estudantes, os docentes
enfrentam problemas de motivação para o trabalho, o que nos remete a uma condição docente
precarizada e que interfere de forma direta no investimento e envolvimento ativo desses
profissionais com a vida cotidiana da escola e na sua relação com os estudantes.
Dayrell e Jesus (2016) destacam a visão de valorização da figura do professor pelos estudantes
do ensino médio que, em seus relatos, reconhecem a existência de profissionais que, mesmo com
todas as dificuldades estruturais, conseguiram com seu trabalho fazer a diferença na sua trajetória
escolar. Eles evidenciaram as características positivas desses profissionais, sempre ressaltando a
qualidade das relações, quando estas os fazem sentir reconhecidos e tratados com respeito. Tais relatos evidenciam a necessidade de valorização da relação professor/estudantes e maior atenção,
tanto na formação inicial e continuada9 de professores, como nos currículos para reconhecimento
das diversidades presentes em nossas escolas e a sensibilização dos profissionais que atuam no
ambiente escolar para os dilemas e desafios enfrentados pelas juventudes que frequentam as
escolas mineiras.
Segundo Teixeira (2014), refletindo sobre essa mudança de perspectiva que devemos adotar, ao
pensar os estudantes que frequentam o ensino médio afirma que:
Ali estão, diante de nós e sob a nossa responsabilidade, não alunos, como nos
acostumamos pensar e falar, mas jovens. Ali estão meninos e meninas, garotos
e garotas, rapazes e moças, guris e gurias que, conosco, compartilham espaços
e tempos de suas vidas juvenis estando no lugar, na função e no papel de
alunos. E nós, os adultos, no lugar, na função, no papel de mestres. Sendo
assim, o jovem é o substantivo e o aluno é o adjetivo, embora muitas vezes a
gente se esqueça disso, nos relacionando com eles como se fossem somente
alunos, concordam comigo? Ali não estão nem crianças, nem gente já adulta,
mas as juventudes, com tudo o que há de específico ou particular a essa fase
das temporalidades humanas. (Teixeira, 2014, p.18).
Portanto, a mudança de perspectiva com relação às juventudes deve partir do entendimento de
que, para além dos preconceitos e estereótipos que povoam o imaginário social acerca dos jovens,
os profissionais da área de educação devem nortear o seu trabalho e entendimento dessa etapa da
vida a partir de perspectivas que deem conta de sua complexidade.
Ainda sobre esse processo de reconhecimento das diversidades juvenis Cavalcante (2014) nos
informa:
É um processo amplo, que tem suas especificidades e particularidades e que
devemos respeitá-las. Por isso a “importância de reconhecer que os jovens
vivem juventudes desiguais, visto que são sujeitos localizados em espaços
sociais diversos que interferem subjetivamente em seus modos de pensar, agir
e sentir” (CAVALCANTE, 2014, p. 36).
Mas, para além das intenções, quando analisamos a realidade do Ensino Médio mineiro, mesmo
percebendo avanços na oferta de vagas na rede pública ao longo das últimas décadas, verificamos
um cenário onde apenas a presença física dessas novas juventudes não se faz suficiente para
incluí-las de fato.
Analisar visões de
mundo, conflitos de interesse,
preconceitos e ideologias presentes
nos discursos veiculados nas
diferentes mídias, ampliando suas
possibilidades de explicação,
interpretação e intervenção crítica
da/na realidade.
Problematizar os estereótipos, preconceitos,
processos de invisibilização, deslegitimação,
apagamentos, etc. em produções artísticas de
grupos minorizados socialmente (negros,
indígenas, mulheres, LGBTQIA+, ETC) em
diferentes linguagens de arte (artes visuais, dança,
teatro, música, dentre outras).
REFERÊNCIAS
BRASIL, Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: junho, 2005.
Representantes de diferentes entidades fizeram a leitura crítica da versão preliminar do documento
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) elaborou, ao longo de 2020, o novo Currículo Referência do Ensino Médio, para todo o Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, em regime de colaboração com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Minas Gerais (Undime-MG). O novo Ensino Médio traz uma série de novidades visando a tornar essa etapa de ensino mais atraente para os estudantes, colaborando para evitar a evasão e garantir mais qualidade na formação desses jovens. Ele segue o que definiu a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para essa etapa da educação básica.
Buscando envolver os principais interessados nessas mudanças e, ao mesmo tempo, agregar no documento experiências de diversas áreas do conhecimento, a SEE/MG e a Undime convidaram instituições de ensino superior para fazerem a leitura crítica da versão preliminar do Currículo Referência de Minas Gerais. Com isso, a versão final do documento foi enriquecida com os olhares e saberes de outros atores importantes, os profissionais acadêmicos que formam os professores da educação básica.
Atendendo a um convite da SEE/MG, 14 instituições de ensino superior tiveram representantes no processo. Pesquisadores e professores desses órgãos foram leitores do documento e participaram de seminários que discutiram, junto com os redatores do Currículo Referência de Minas Gerais e equipe da SEE/MG, as recomendações feitas. “A troca de saberes de profissionais que trazem experiências de seu trabalho nas universidades com os redatores do currículo, que possuem conhecimento do cotidiano de milhares de alunos e da realidade de nossas escolas, foi uma soma positiva e necessária para a materialização de uma aproximação entre o Ensino Superior e a Educação Básica”, comentou a coordenadora estadual do Currículo Referência de Minas Gerais da etapa do Ensino Médio, Iara Viana.
Colaboradores
A contribuição na leitura crítica do Currículo Referência do Ensino Médio teve a participação das seguintes instituições de ensino superior: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; Universidade Federal do Triângulo Mineiro; Universidade Federal de Viçosa; Universidade Federal de Uberlândia; Universidade Federal de São João del-Rei; Universidade Federal de Ouro Preto; Universidade Federal de Lavras; Universidade Federal de Alfenas; Universidade Estadual de Montes Claros; Universidade do Estado de Minas Gerais; Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Instituto Federal do Triângulo Mineiro; Instituto Federal do Sul de Minas Gerais; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.
O documento final do Currículo Referência do Ensino Médio, a ser publicado após aprovação no Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEE), dará crédito aos leitores cujos nomes constarão de uma relação de colaboradores.
Novo Ensino Médio
O Novo Ensino Médio está sendo construído por meio do Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (PROBNCC). A partir dele, serão feitas mudanças pedagógicas, no tempo e na estrutura do currículo dessa etapa da educação básica. Uma das mais expressivas será a introdução de uma parte flexível no currículo, o que permitirá aos estudantes escolher disciplinas que querem cursar, a partir de um conjunto de opções oferecidas pelas escolas.
Atendendo à Base Nacional Comum Curricular, o Currículo Referência do Ensino Médio será composto pela Formação Geral Básica, que considerará as aprendizagens comuns e obrigatórias, e os Itinerários Formativos, a parte do currículo em que ocorrerá a escolha dos alunos em conteúdos que se relacionam com seus interesses.
O objetivo da SEE/MG é que o Currículo Referência do Ensino Médio seja homologado pelo Conselho Estadual de Educação neste ano. A previsão é de que o novo currículo comece a ser implementado em 2021, com a ampliação do número de escolas piloto.
Por Iara Pires Viana
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