Por Rafael Menezes
Eu sou o avesso do que o Sr.
sonhou para o seu filho. Eu sou a sua filha amada pelo avesso. A minha
embalagem é de pedra mas meu avesso é de gesso. Toda vez que a pedra
bate no gesso, me corta toda por dentro. Eu mesma me corto por dentro,
só eu posso, só eu faço. Na carne externa quem me corta é o mesmo que
admira esse meu avesso pelo lado de fora. Eu sou a subversão sublime de
mim mesma. Sou o que derrama, o que transborda da mulher. Só que essa
mulher sou eu, sou o que excede dela.
Ou seja, eu sou ela com um plus,
com um bônus. Sou a mulher que tem força de homem, que tem o coração
trabalhado no gelo. Que pode ser várias, uma em cada dia da semana. Eu
tenho o cabelo que eu quiser, a unha da cor que eu quiser. Os peitos do
tamanho que eu quiser, e do material que puder pagar. O que eu não
trocaria por uma armadura medieval , uma prótese blindada talvez. A
prova de balas, a prova de facas. Uma prótese dura o suficiente para me
proteger de um tiro e maleável o suficiente para ainda deixar o amor
entrar.
Bailarina troglodita de pernas
de pau. Eu fui expulsa da escola de dança e aprovada em primeiro lugar
na escola da vida. Vestibular de morte, na cadeira da “bombadeira”,
minha primeira lição. Era a pele que crescia e me dava a aparência que
eu sonhava. Conosco, a beleza e a morte andam de mãos dadas.
No mesmo trilho de uma vida marcada por dedos que apontam ate o fim da existecia.
Na minha esquina. Sim, aqui as
esquinas tem donos. A noite, meninas como eu ou como outra qualquer,
usando um pedaço de tecido fingindo ser uma saia, brincos enormes,
capazes de fazer uma mulher comum perder o equilíbrio e um salto de
acrílico de altura inimaginável, que a faz sentir-se inatingível. Ela
merece uma medalha.
Para um carro, um homem ao
volante que deixa em casa sua mulher, e quer ser mulher, ate mais
feminina que nós talvez. Porque dessa vez os litros de silicone, os
cabelos tingidos, os brincos enormes, o saltos altíssimos não
impressionaram a ele. Seu desejo é pelo que ela não mostra nas ruas, ela
vai ter que se ver como homem mais uma vez. E a vida segue. Muitas
morrem, outras nascem cada vez mais novas. E assim elas vão, desviando
dos tiros, esbarrando no preconceito, correndo da polícia. Mas sempre
com um batom nos lábios, um belo salto nos pés e na maioria das vezes um
vazio no coração.
Ela não precisa de redenção.
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