NEGRA, Iara Félix: Uma análise da reportagem de Carlos Amorim

NEGRA, Iara Félix: Uma análise da reportagem de Carlos Amorim, CV.

PROIBIDO, PROIBIR : Pré-conceitos

"Todo favelado é cúmplice dos traficantes"; "o usuário de drogas é o culpado pela violência das cidades brasileiras";"todo sociólogo, geógrafo e antropólogo defensor dos direitos do cidadão não entende nada do problema".Com tal coleção de justificativas, é claro que não fica nada para criticar na ação da polícia nas favelas do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e é claro Vespasiano.
No entanto, nem toda favela tem comando de traficante armado até os dentes; nem toda cidade deste planeta, especialmente nos países onde há muito mais usuários de drogas ilegais, apresenta o quadro de violência do Rio de Janeiro. Finalmente, em outros estados da Federação há colaboração entre a Universidade e a Polícia, entre sociólogos e policiais. Exageros à parte, não aproveitar o conhecimento adquirido por métodos científicos tem nome: obscurantismo. E o que mostram as pesquisas realizadas? Que conflito entre a Falange Jacaré e o Comando Vermelho já existe há décadas, que Gangues entituladas como
"Do Curumim e Caixa d'água"-M.A, continuam atuando sendo fruto de um sistema prisional falho. Este sistema permitiu que prisioneiros mais fortes, ricos e agressivos convivessem, na mesma cela, ala ou prisão, com pequenos delinquentes que sempre foram oprimidos e extorquidos pelos primeiros. O CV surgiu para acabar com esta opressão dentro da prisão nos anos 1970. A Falange virou Terceiro Comando ainda no regime militar, quando o tráfico de cocaína começou a se espalhar pelo Brasil.
Pouco a Pouco, os comandos descobriram que o tráfico de drogas ilegais era uma forma de ganhar dinheiro fácil e continuar a extorquir dos envolvidos, dentro e fora da prisão, tudo aquilo que é necessário para viver bem e dominar quem não for chefe. Inimigos, deixaram os assaltos para se tornarem comerciantes em guerra mortal.
O dinheiro ganho em bocas vai para os líderes dos comandos fora e dentro da prisão. Gerentes, vapores, soldados e olheiros, quando presos, não ganham nada; livres ganham percentual ínfimo dos lucros. Uma "empresa" sem nenhum direito trabalhista. Já há muitos desiludidos que compreendem que se arriscaram para defender o que não era deles.
Nada disso justifica, portanto, que policiais cacem e matem quem deveriam prender para investigar melhor os meandros desta empresa tão lucrativa e tão violenta. Fora os danos à imagem da polícia, há os prejuízos na informação acerca dos fornecedores de armas e drogas que, presos, dariam .
Como pode um policial se apresentar como defensor da lei se viola a lei, seja por se corromper, seja por matar até jovens desarmados? Não se trata de direitos humanos, mas dos direitos civis do favelado, inscrito na Constituição vigente.

PICHAÇÕES E SEGURANÇA PÚBLICA

Belo Horizonte é reconhecidamente uma das capitais brasileiras que mais sofre com as pichações. Eis um problema coletivo que  diz respeito não apenas à gestão urbana, afetando também a segurança pública.

As pichações sujam a cidade como também fomentam a poluição visual. Não constituem manifestações legítimas de supostos segmentos sociais marginalizados, como sustentam alguns. À medida que viadutos, fachadas de imóveis,edifícios são tomados por tais 'pinturas', cresce a sensação de impunidade, de desrespeito à lei e de desordem pública.

As pichações resultam de comportamentos delinquentes de segmentos jovens oriundos de classes sociais diversas. É típica manifestação de gangues juvenis que procuram visibilidade e afirmação de domínio  territorial. Estão completamente descomprometidos com o respeito ao espaço público e à cidadania.

Não devem ser tolerados, o que não significa que devem ser tratados como criminosos comuns. Já passou da hora do poder público municipal, em articulação com as polícias estaduais, e com o apoio do Ministério Público e dos Juizados Especiais Criminais, desenvolverem uma intervenção mais firme em relação ao problema.

A impunidade nesse caso acaba impactando a segurança pública à medida que o espaço urbano torna-se mais deteriorado e propício ao cometindo de atos deliquentes e criminosos diversos. A degradação do espaço urbano é um importante fator de risco da proliferação de atividades criminosas mais graves. Eis uma das principais lições que devemos retirar da famosa TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS.

Os Projetos sociais e sua influência nas escolas de Arte

A busca de alunos da periferia por escolas superiores de arte tem crescido nos últimos anos, mostrando que a dificuldade de acesso deles a esses cursos é uma realidade que vem sendo desconstruída. A relação próxima de jovens da periferia com projetos sociais é um dos fatores que impulsiona o interesse em conquistar uma formação acadêmica, como explica Warley “Bombi” - Fabiano Santos, 23 anos, grafiteiro, técnico em design gráfico, morador do bairro São Marcos e aluno da Escola Guignard, da UEMG: “Meu interesse pela arte nasceu com o graffiti, em 1999. Mas desde a escola, as outras crianças pediam para eu desenhar para elas e percebi que eu tinha habilidade para isso. Na escola também desenvolvi meu lado político, com o grêmio estudantil. Me apaixonei pelo graffiti, porque eu via e achava interessante, eu tinha muitos amigos pichadores no meu bairro, o que me ajudou a dominar os sprays. A gente fazia tags e nessa época eu sabia que podia ilustrar, mas havia também a dificuldade de comprar sprays. O projeto Arena da Cultura foi o ponto de partida para eu me aprimorar e a pensar na arte como um caminho profissional”.
Já em 2000, Bombi fazia parte da rede de grafiteiros da cidade, quando ouviu numa rádio comunitária um convite para conhecer o projeto “Hip Hop Chama”. Compareceu ao encontro e lá teve contato com outros jovens que discutiam o Hip Hop na capital. A entrada no coletivo permitiu a ele participar de outra iniciativa: o D-Ver-Cidade-Cultural, curso de formação de agentes culturais juvenis, projeto da Faculdade de Educação da UFMG, coordenado por Juarez Dayrell. No curso, além da formação de agente cultural, teve aulas de expressão corporal e artes plásticas, que contribuíram não só para sua formação, como para dar seqüência a seus desejos de seguir o caminho artístico.
Para Gisele Hissa Sasar, diretora da Escola de Design da UEMG, os motivos do crescimento da procura de jovens da periferia pela escola são diversos: “O interesse pelo design aumentou de um modo geral, fruto de uma maior informação sobre a profissão abordada até em programas de televisão. O fato de a UEMG ser uma instituição pública atrai as pessoas da periferia, que têm na escola uma oportunidade de formação profissional superior e gratuita. Este aspecto foi favorecido pelo sistema de cotas implantado na escola desde 2005”, avalia. O sistema de cotas em vigor na UEMG destina 45% das vagas a alunos da rede pública de ensino (20%), afro-descendentes (20%), deficientes físicos e indígenas (5%).
Na Escola Guignard, também da UEMG, o aumento do número de alunos da periferia acontece de maneira ainda discreta, de acordo com a avaliação do diretor Eymar Brandão. “Esses alunos existem num percentual extremamente restrito na escola porque existe uma tendência de que quanto mais carente a área maior a preocupação de obter uma resposta imediata do mercado de trabalho. E nesse mercado das artes plásticas, a resposta acontece em longo prazo. O fato da pessoa ter um diploma, a habilita para a inserção no mercado de trabalho, mas nas artes precisa-se, paralelamente a isso, ter um currículo mínimo de atuação na área que acompanhe essa habilitação. A escola auxilia nos primeiros passos, que são permitir aos formandos fazer exposições e mostras internas com premiações, promovendo, através de nossa galeria de arte, o espaço para profissional iniciante. Mas é importante que fora da escola ele possa dar continuidade a isso para se manter no mercado”, analisa.
No tocante ao mercado de trabalho para os aspirantes a designers, as perspectivas são mais otimistas. Gisele Hissa frisa que o mercado de trabalho para designers encontra-se em franca expansão. “O mercado brasileiro de design está em crescimento sobretudo para atender necessidades de pequenas e micro empresas que, com a nova legislação, serão beneficiadas e poderão trabalhar com as soluções oferecidas pelo design também, assim como as grandes corporações. Atualmente, o mercado de design para pequenas empresas tem sido estimulado pelo SEBRAE e outras instituições que permitem a contratação deste trabalho, facilitando a troca entre jovens da área e clientes.”
Reposta social
A preocupação com a vida profissional dos jovens ligados a projetos sociais revela uma postura diferenciada da dos demais, porque eles desejam dar uma contrapartida à sociedade pela formação que receberam. “Longe de colocar uma postura sonhadora em relação a estes jovens, nós percebemos, claramente, que o trabalho para eles representa mais do que o sustento próprio, representa uma forma de melhorar a sociedade que os cerca, numa proximidade imediata. Esta também é uma motivação para que eles estejam buscando formação superior nas artes e em outras áreas”, opina Gisele Sasar.
A opinião da diretora da Escola de Design é partilhada pelo artista Vanderley Pena Forte, 27 anos, aluno de Design da UEMG, conhecido como Eu. “Um grafiteiro que têm uma formação superior pode levar para as ruas um trabalho melhor e com isso a cidade toda é beneficiada”, exemplifica.
Eu é integrante do grupo de rap Deja Vu, grafiteiro, poeta e fotógrafo. Recebeu formação de ensino fundamental e médio na rede pública e desde pequeno a música e os desenhos o atraíam intimamente. Poeta desde os 15 anos, só pensou em fazer da arte uma profissão quando ligou-se à cultura Hip Hop. “Apesar de não ganhar dinheiro no Hip Hop, foi com ele que comecei a interessar em me profissionalizar artisticamente. Comecei a fazer cursos livres no Projeto Guernica, no Arena da Cultura, de produção e edição de vídeo, no Sesc”, conta. A decisão pelo curso superior de design aconteceu quando terminou o segundo grau. Sem pretensão em passar no vestibular, tentou vários cursos, até que teve um problema de saúde mental e buscou o Centro de Convivência César Campos, onde despertou definitivamente para o papel que a arte ocupa em sua vida, através das aulas de música, argila e pintura que recebeu no local.
Além de artista, Eu trabalha na área social: é arte-educador do Programa Fica Vivo, no qual dá oficinas de grafitti, no bairro Morro Alto, município de Vespasiano. Para Eu, a ocupação de um espaço público, como as escolas superiores de ensino, por jovens da periferia rompe um estigma vigente por muitos anos. “Quando eu entrei na faculdade, três ou quatro colegas se sentiram estimulados a tentar também. Eles viram que era possível. A cada aluno da periferia que conquista uma vaga, forma-se uma rede de pessoas que acreditam que podem fazer um curso superior. Isso para algumas pessoas da periferia é muito distante, mas com exemplos fazemos com que os mais jovens fortaleçam a auto-estima e esse fato por si só já tem uma importância social. Por isso nas minhas oficinas relato para os meninos as dificuldades, minhas vivências e todo o processo até chegar à universidade”, conclui.
Warley “Bombi” tem na função social da arte o norte para o seu desenvolvimento profissional. O jovem que investiu o dinheiro da bolsa do curso de formação de agente cultural num curso técnico de design e foi aluno de um curso pré-vestibular comunitário, revela que pulverizar seus conhecimentos como arte-educador lhe garante maior satisfação pessoal e profissional do que trabalhar para uma agência de comunicação, design ou publicidade. Atualmente, Bombi trabalha em duas ONGs: Associação Imagem Comunitária (AIC), onde é designer gráfico e web e na Corpo Cidadão, no Projeto Sambalelê, no qual é arte-educador e ensina artes-visuais.

O sistema de cotas e as dificuldades do percurso
Como alternativa de democratização do ensino superior, Bombi se posiciona a favor do sistema de cotas para alunos da rede pública e afro-descendentes. “Apesar de não ter sido beneficiado pelo sistema, acredito que se trata de uma medida emergencial e estrutural. Investir no ensino fundamental e médio é uma ótima idéia, mas as pessoas que já passaram pela escola não tem condições de voltar no tempo e conseguir se preparar para o vestibular. É preciso considerar essas pessoas também”, observa. Para Eu, a implantação do sistema de cotas é necessária, mas acredita que a sociedade não está preparada como deveria para essa questão: “Devia haver mais debates sobre as cotas, hoje essa não é uma discussão ampla. Ela fica restrita a estudantes e instituições de ensino, com isso a sociedade não compreende o porquê esse sistema é necessário”, defende.
Manter-se no curso representa ainda outro desafio tão grande ou maior do que conquistar uma vaga, sobretudo nas áreas artísticas, onde o custo do material é alto e somado ao de transporte, xerox, etc., sem contar o tempo reduzido para os estudos em razão do trabalho, ou do longo trajeto enfrentado, atravessando vários bairros, até chegar às escolas. “A gente precisa trabalhar para se manter. Já repeti vários períodos em razão de trabalho. Acontecem diversas dificuldades pelo lado financeiro, de não ter material, transporte. Repetir períodos prejudica a seqüência do curso. Como eu trabalho desde o primeiro período tive dificuldade de interagir em trabalhos de grupo com os outros alunos que ainda não trabalhavam. Os professores compreendem as nossas dificuldades, expandindo prazos de entrega de trabalhos, até porque a Guignard têm uma preocupação social, ela exige que seja feito um estágio em projetos sociais para quem faz licenciatura. Acho que a solução para conter a evasão está em oferecer bolsas para ajudar com os custos dos cursos. O curso de Artes Plásticas, por exemplo, sai muito caro porque precisamos de tintas adequadas, pincéis, papéis específicos, precisamos de ferramentas como goivas, cada aluno precisa ter o seu kit. É um material que não dá para pedir emprestado”, aponta Bombi.

*A foto da matéria é um dos trabalhos de Warley Bombi .

FONTES
Warley Fabiano Santos – Warley Bombi é designer, grafiteiro, arte-educador e artista plástico.
Telefone: 3213-8299 / 9755-5551
Vanderley Pena Forte – Eu é arte-educador do Programa Fica Vivo, grafiteiro e integrante do grupo de rap Deja Vu.